terça-feira, 2 de dezembro de 2014

MUNDO AINDA CHORA A MORTE DE CHAVES ( ROBERTO BOLÃNOS )

Luis Acosta/AFPNão contavam com a sua astúcia

Humor ingênuo e identificação do público contribuíram para o duradouro sucesso de Chaves e Chapolin

Criador e protagonista de "Chaves", Roberto Gómez Bolaños cativou várias gerações de fãs com as aventuras do menino órfão e pobre que vive dentro de um barril
México - Quatro décadas depois de sua estreia, o programa criado pelo falecido comediante Roberto Gómez Bolaños, mais conhecido como "Chaves", continua sendo exibido em canais de toda a América Latina, apesar da acirrada concorrência de produtos novos e mais sofisticados.

Por que ainda existe quem se coloque à frente da televisão para ver quadros de comédia ingênua e qualidade técnica questionável e que não tem episódios novos desde 1980?

No Brasil, "Chaves" - ou "El Chavo" no original - é exibido continuamente desde os anos 80 e é um dos programas de maior audiência do SBT. Exibido em mais de 25 países, foi dublado em mais de 50 idiomas e acompanhou o crescimento de um público que, muitas vezes sem admitir, continua a assistir à produção mesmo na idade adulta, junto com seus filhos ou não.

"Os programas infantis atuais são voltados para o cinismo. É delirante ou grosseiro como ‘Bob Esponja’, ou têm muita violência, e ‘Chaves’ continua sendo puro, leve, ingênuo, que são os valores de uma criança que o mundo põe a perder depois", explica à AFP José Antonio Valdés, crítico de cinema e TV mexicano.
Pobreza compartilhada

Situada numa humilde vila da Cidade do México, a série narra através da comédia o dia a dia de uma série de personagens liderados por Chaves, um menino órfão e pobre que vive dentro de um barril e sempre sonha com um sanduíche de presunto como gente rica como o seu Barriga, o dono das casas, pode fazer.

Na vila, o menino vivido por Bolaños convive com gente comum como seu Madruga, um desempregado preguiçoso que finge procurar trabalho; a filha de seu Madruga, Chiquinha, a melhor amiga de Chaves; dona Florinda, mãe solteira que, junto a seu filho mimado Quico, acredita ser superior a pessoas a quem chama de "gentalha".

"O impacto da série se dá principalmente na América Latina, onde os níveis de pobreza são altos, e as pessoas se identificam, por isso ‘Chaves’ é universal", afirma Valdés.

O personagem mais famoso de Bolaños apareceu pela primeira vez em 1970 em cenas do programa "Chespirito" (brincadeira com o nome Shakespeare), mas, por causa de seu sucesso, a rede Televisa decidiu produzir, a partir de 1971, uma série que teve 290 episódios até sua última transmissão, em janeiro de 1980.

"Bolaños entendeu que a comédia tem a ver com profundidade, tem a ver com a crítica social (...) e, se analisarmos os roteiros de ‘Chaves’, podemos encontrar códigos bem interessantes, que falam da nossa pobreza, de nossas carências, da importância da família, do papel da mãe. Ele realmente é o nosso Molière", opina Álvaro Cuesta, também crítico de tevê.
Herói latino-americano

Espremido em um justíssimo macacão vermelho e short amarelo, o "Chapolin Colorado", um de seus personagens mais famosos, foi uma espécie de super-herói latino-americano, ou melhor, um anti-herói que Bolaños encarnou para contar as aventuras incríveis de um personagem que se fazia valer de seus duvidosos poderes sobrenaturais.

"Mais ágil que uma tartaruga, mais forte que um rato, mais nobre que uma alface, seu escudo é um coração", dizia uma voz, em off, para apresentar o personagem.

"A coragem não consiste em não sentir medo, mas em superar o medo. ‘O Chapolin Colorado’ o fazia, consciente de que era pequeno, frágil, bobo, incapaz (...) Mas enfrenta o problema. Esse é um herói", disse Bolaños, já transformado em lenda.
Amado, mas criticado

Como outra personagem cômica universal do México, "Cantinflas", "Chaves" também teve pessoas que criticam seu humor fácil e de pastelão ou a transmissão de valores conservadores e discriminatórios.

Para o sociólogo e pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), Raúl Rojas Soriano, as piadas que Quico fazia sobre a pobreza de Chaves, sobre a obesidade de Nhonho ou o descaso em relação à Bruxa do 71 exaltam comportamentos preconceituosos e machistas.

"As situações que acontecem envolvendo as personagens podem parecer piada, mas, na realidade, são um reflexo grave da sociedade e o programa não dá soluções para melhorar a vida social dos habitantes da vila. Ao contrário, eles são cada vez mais denegridos", considera o acadêmico.

Mas nenhuma crítica parece importar para fãs devotados, que agora choram a morte (ele morreu no último dia 28, aos 85 anos, de causas naturais) de um criador que marcou sua infância e, já adultos, passaram a admirar um programa que, apesar de datado, virou um verdadeiro cult.
France Presse

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